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Ninguém nos tira a festa!

 

 

            Apesar de tudo, a festa continua.

Ao longo do ano, o ciclo da vida faz-se de paragens semanais nas labutas diárias, mas essas, só, não chegam para retemperar o ânimo. Há que ter mais tempo para a catarse, para reavivar  relacionamentos antigos recuperando vivências com que se construiram personalidades. 

A dinâmica das sociedades faz-se de encontros e desencontros, nos quais a família ocupa lugar primordial. Todavia, o desaparecimento de valores ancestrais que alicerçaram a história, a cultura e a etnografia de povos oriundos de zonas ruralizadas, está a provocar uma rutura de efeitos imprevisíveis; muitas pessoas não conseguem nem assimilar, nem entender os novos valores da nossa sociedade que não chegou sequer a viver a era industrial.

A maioria das pessoas, se bem que com pouca prática religiosa, continua a reger-se pelos ditames da igreja católica e de outras religiões cristãs, no que respeita a rituais e celebrações. E mesmo que muitos se digam agnósticos, não praticantes, ou ateus, o certo é que respeitam antigos usos e costumes.

É por isso que não merece qualquer crédito quem pretende alterar feriados religiosos e cívicos, sejam eles nacionais, regionais ou municipais.

As datas importantes do calendário cristão são marcos inquestionáveis na roda do ano, pois assinalam festividades em que o povo foi educado. Após as celebrações pascais, iniciam-se as festas do Espírito Santo, de maior ou menor âmbito. E nada nem ninguém tente afrontar esta tradição cujo dinamismo é cada vez mais crescente.

Em São Miguel, às festas do Senhor Santo Cristo, seguem-se, invariavelmente, os impérios e as domingas, até à festa de São Pedro que, com os outros santos populares são celebradas com grande respeito. Nas restantes ilhas, o Espírito Santo tem uma semana repleta de impérios e coroações que continuam, durante o verão.

E depois, são as festas em honra dos santos padroeiros, as semanas festivas de todos os concelhos e ilhas e as férias que uma boa gestão de recursos humanos não dispensa, antes promove.

Um calendário tão recheado de folguedos e de feriados, não se coaduna com as mentalidades economicistas de muitos gestores e políticos. Para estes, os tempos difíceis que aí vêm, só podem ser ultrapassados com mais trabalho e canseiras. Produzir mais é o termo usado pelo sistema vigente. E apresentam-nos exemplos de povos com culturas e idiosincrasias diferentes, que ultrapassaram graves crises « trabalhando, trabalhando, trabalhando... »

Porém, tem sido essa a nossa sina, desde que os povoadores do infante aqui aportaram. Perante a natureza no seu estado mais primitivo, revolvemos montes e planícies à procura de solo arável e fértil. Para fazer frente aos ventos fortes do mar, construímos quilómetros e quilómetros de paredes que dividiram propriedades e heranças. Lavrámos alqueires e alqueires de terras, criámos gado, ao pé porta e nas pastagens altas onde só chegavam alimárias. Viajámos de terra em terra, por veredas e atalhos, acossados por brejo e chuvas, por vezes impiedosas que suplicávamos a Deus como benção.

Cultivámos os primores da terra, plantámos trigo, milho, vinhas e até frutos tropicais que só permitiram a subsistência da maioria do povo camponês, pois a terra não lhe pertencia, mas aos senhores.

Por entre rochas e vagas, lançámo-nos ao mar, em pequenos batéis, mas as redes e os perigos foram sempre maiores que o pescado, e de lá também não veio riqueza.

Navegámos de ilha em ilha, transportando os poucos excedentes da terra e também homens e mulheres que buscavam vida melhor e saúde para seus achaques.

Vimos piratas estrangeiros, senhores de outros credos, roubarem o pouco que tinhamos e levarem moços de tenra idade. Defendemo-nos com briandas e touros e fomos ficando aqui, sem que, do oriente se vislumbrassem reforços à nossa secular resistência.

Enfrentámos sismos e vulcões com uma vontade hercúlea de reconstruir sempre o pouco da ilha que habitamos. Porque a Ilha é a nossa casa, lugar de festa partilhada com todos e gerada nos momentos de infortúnio.

Os momentos difíceis que – dizem – aí vêm, já os provámos e ultrapassámos com dor, suor e lágrimas, aqui e nas terras da estranja.

Ninguém nos tira a festa, porque ela está unida à luta e ao sofrimento que nos moldou os modos de ser e de estar. Nem que venham decretos, memorandos, impropérios e outras formas de dominação, deixaremos de fazer « festas, touradas, romarias, coroações », porque não abdicamos de ser açorianos.

       

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